23/09/2012

A Polícia em busca dos suspeitos

Por Alex Costa - Repórter da Tribuna do Norte

A polícia instaurou na manhã de ontem os inquéritos para identificação dos autores dos atos de vandalismo ocorridos durante e após o protesto de rua da última terça-feira. Na 5ª Delegacia de Polícia Civil, por volta das 9h30, o delegado Ulisses Nascimento de Souza ouviu um dos supostos acusados de participação nos eventos que culminaram com o incêndio de um ônibus e a depredação de vários veículos.

Professor que foi preso como suspeito de ter ateado fogo a ônibus vai a delegacia depor, mas apenas passa por reconhecimento | Foto de:Alberto Leandro

O professor de história Felipe Serrano, de 26 anos, foi a única pessoa presa pela Polícia Militar sob a acusação de ter ateado fogo e causado "baderna" na avenida Bernardo Vieira. Felipe foi até a delegacia para o reconhecimento policial. Mas, de acordo com um dos advogados de defesa, o professor teria sido chamado para depor e prestar esclarecimentos, o que não ocorreu.

"Esperávamos que ele tivesse oportunidade de apresentar sua declaração, tendo em vista que serve para ajudar a Polícia Civil nas investigações. Pedimos para formular em ata que ele não depôs e para ter acesso aos autos policiais do processo investigativo, mas esse acesso nos foi negado pelo delegado", disse o advogado Gustava Barbosa.

A atitude do delegado Ulisses Nascimento de Souza, segundo o presidente da secção regional da Ordem dos Advogados do Brasil, Paulo Eduardo Teixeira, desobedece uma lei federal defendida no Estatuto de Advocacia e Código de Ética, que garante o acesso dos advogados aos autos criminais para formulação da defesa. "O advogado entrou em contato com a OAB, conforme prevê a lei em caso de descumprimento. As medidas cabíveis serão tomadas: uma representação na Corregedoria de Polícia e uma ação judicial para garantir o direito do advogado", esclareceu Paulo Teixeira.

Felipe Serrano chegou a delegacia com um braço na tipoia. Ele precisou fazer cirurgia em  dois dedos fraturados da mão esquerda e apresentava luxações no braço direito e escoriações no pescoço, joelhos e calcanhares. Ele atribui os ferimentos aos policiais militares que o prenderam e também a outros agentes de delegacias por onde passou na noite da terça-feira.

As investigações da Polícia Civil sobre a queima dos dois ônibus durante os protestos de rua vão ser baseadas, principalmente, nas imagens de vídeo armazenadas pelo Centro de Investigações Integradas da Polícia Militar e captadas pelas câmeras instaladas nas avenidas Bernardo Vieira e Salgado Filho. Além disso, a policia requisitou, imagens de câmeras de segurança privadas nas imediações de onde os ônibus foram incendiados.

Entrevista

Felipe Eduardo Oliveira Serrano, professor de história

"Fui tratado de forma fascista"

Felipe Eduardo Oliveira Serrano nasceu em Natal há 26 anos. Professor de história, praticante de artes marciais, vocalista de uma banda de rock natalense, algumas tatuagens pelo corpo, uma pessoa que afirma gostar de estar com os amigos, praticar esportes, cantar e ouvir música. Desde a noite da última terça-feria ele já pode incorporar mais um item neste  sumário de currículo: é o único rosto a quem a polícia atribui a autoria concreta de atos de vandalismo, durante os protestos de rua que ficaram conhecidos como a "Revolta do Busão" e que resultaram em dois ônibus incendiados. Felipe foi preso como a pessoa que ateou fogo a um dos veículos (na av. Bernardo Vieira) e - pelo que a polícia disse até agora - com base em uma única evidência: ele estava correndo, tentando se afastar do centro da confusão. O professor foi preso e afirma que também agredido por policiais da ROCAM e do Grupo de Operações Especiais (GOE). Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Felipe nega as acusações e admite que está com medo e apavorado por tudo que ocorreu. "Com certeza é algo que nunca mais vou esquecer. O medo de sair à rua, e ver cumprida as ameaças que me foram dirigidas dentro do camburão da viatura me consome".

Com relação aos movimentos estudantis que ocorrem em Natal, qual a sua participação neles?

Apoio todos os movimentos estudantis baseados em argumentos concretos. As reivindicações dos estudantes são totalmente lícitas e constitucionais. Eu participei de três dos quatro primeiros atos que ocorreram. Não participei deste último ato porque estava em outras atividades. Eu concordo com a luta, com as passeatas, com a realização dessas caminhadas em lugar de grande movimento para chamar a atenção do poder público.

Mas e as depredações do patrimônio público e dos transportes públicos, são lícitas?

Com certeza não. Isso não está na pauta das reivindicações dos estudantes. Eu já acompanhei plenárias e em nenhum momento é cogitada ideais de violência ou de vandalismo durante o movimento.  O que ocorre é que, como em todo movimento horizontal, onde não há liderança, existe a participação de pessoas sem esclarecimento ou que estão ali só pela folia ou pela baderna. Sem senso crítico ou político, esse tipo de pessoas denigrem e destroem a verdadeira intenção da manifestação e conseguem batizar todos os manifestantes como baderneiros.

Você foi acusado de ter ateado fogo ao ônibus. Você confessa ter participação nisto?

Não. Até porque eu não o fiz.

Mas o que você estava fazendo na Bernardo Vieira bem no momento em que o ônibus foi incendiado?

Com o protesto, várias linhas de ônibus deixaram de circular parcialmente e deixou muitas pessoas sem ter como ir para casa. Eu não participei do movimento. Acontece que um amigo me chamou para buscá-lo ali no Midway Mall. Foi quando me deparei com a movimentação à frente do shopping. Cerca de 30 pessoas cercavam o ônibus e atearam fogo ao veículo. Eu não vi quem foi. Eu estacionei o carro na rua da drogaria em frente ao shopping. Dei a volta pela Antônio Basílio, porque não dava para seguir direto pela Hermes da Fonseca, uma vez que estava interditada.

Você encontrou esse seu amigo?

Não. Assim que cheguei a confusão começou. A Polícia de Choque começou a atirar bombas de efeito moral e todas as pessoas começaram a fugir e a se dispersar. Inclusive eu. Não pensei em ir para o carro. Apenas segui direto para minha casa, que fica ali perto.

E como você foi preso pelos policiais?

Eu já estava da Rua São José, em frente ao centro de velório, perto da Alexandrino de Alencar. Uma Blazer da Polícia Militar, com três policias parou próximo de mim. Os policiais me abordaram com violência. Eles não estavam identificados. Até ouvi o padre e algumas pessoas que estavam no centro de velório falarem para os policiais pararem de me bater, porque eu não reagia. Fui agredido com cacetetes de borracha. Um dos policiais disparou dois tiros ao chão que resvalaram e queimaram meu calcanhar. Meus joelhos também se arranharam e dois dedos foram quebrados porque tentava me proteger das pancadas. Minhas tatuagens e meu porte físico foram vistos com preconceito por esses agentes.

De lá, você foi encaminhado para onde?

Outra equipe de policiais me recebeu. Dessa vez, agentes da Polícia de Choque, o BOPE. Fui sentado com as mãos para trás na picape deles. De cabeça baixa, o tempo todo. Não esbocei nenhum tipo de violência. Num determinado momento, um dos agentes que me distratava com piadas me falou: "Levante a cabeça, para você ver quem está batendo em você". Eu o fiz e fui atacado com spray de pimenta nos olhos no nariz e na boca. Na delegacia de Candelária, fui derrubado do carro. Não conseguia abrir os olhos. Não enxergava nada. Minha respiração estava difícil. Eles ainda me ajudaram a entrar na delegacia. Mas não deixaram de me agredir.

Você foi alvo de algum exame de corpo de delito?

Sim. Antes de ir para o Centro de Detenção Provisória da Cidade da Esperança, após sair da primeira delegacia. De lá, fui para o CDP, onde fiquei preso. Até a comida que minha mãe levou foi negada de ser me dada. Eu sou vegetariano e não posso comer carne porque tenho intolerância. Companheiros de cela me ajudavam e me davam pedaços de macaxeira para que eu pudesse comer.

O que você pretende fazer agora, depois de tudo o que passou e de todas as agressões que sofreu?

Isso não pode ficar impune. Temi pela minha vida. Hoje não consigo mais sair de casa, pois não sei por quem fui agredido. Só sei de uma coisa: vou lutar pelos meus direitos junto à justiça. A forma como a polícia me  tratou foi fascista, terrorista, de tortura, anti-democrática e tudo mais que seja sinônimo disso. As ameaças como "a família é grande" e que se eu encaminhasse alguma denúncia à Corregedoria de Polícia "eu iria me arrepender" me fazem ter medo de viver minha vida com tranquilidade. Eles sabem tudo de mim, eu não sei nada deles. A minha missão e a dos meus seis advogados é a de encontrar provas que me protejam diante dessas ameaças e  que possibilitem viver a minha vida tranquilamente, como sempre vivi.

Fonte: Tribuna do Norte

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