Transporte público com ou sem subsídio?

Foto – Arquivo/UITP-LA
Uma necessidade e uma obrigação política a oferta de um transporte público em todos os seus modais para se alcançar uma melhor qualidade de vida. E não há fórmulas mágicas para poder oferecer e obter serviços públicos dignos e competitivos apoiados somente pelo que se arrecada com os valores das passagens. Assim Miguel Zanetto, vice-presidente da UITP (União Internacional de Transportes Públicos) América Latina, começa seu artigo sobre a adoção de subsídio público ou privado como complemento para o equilíbrio financeiro do transporte coletivo qualificado.

O especialista em transporte atendeu a revista AutoBus, por e-mail, explicando um pouco mais sobre o texto que ressalta o aspecto da subvenção às operações.

Revista AutoBus – O Senhor cita que o transporte público não sobrevive sem subsídios governamentais. Na América Latina, o setor que mais sofre sem a subvenção é, sem dúvida, o ônibus urbano, que se sustenta apenas com as tarifas. Como os governos podem mudar esse cenário que influencia negativamente a operação?

Miguel Zanetto – Minha proposta é no sentido de se taxar alguns meios de transporte, como os individuais ou aqueles que emitem maiores níveis de poluentes, assim como outros envolvidos no segmento veicular, com impostos sobre os combustíveis, da compra de automóveis novos, do uso do espaço público para o estacionamento dos veículos particulares, da cobrança de pedágios, das empresas que geram maiores níveis de emissões poluentes, dentre outros.

Seria uma colaboração social, pois o benefício é para todos. A taxação sugerida é para ser encaminhada ao transporte público, para o melhoramento da mobilidade urbana e dos serviços, com o financiamento de sistemas de BRT, trólebus e até veículos leves sobre trilhos.

AutoBus – Está mais que provado que os sistemas estruturados de ônibus, com corredores exclusivos, prioridade operacional e agilidade nos serviços, promovem ganhos significativos no transporte público. Porém, os poderes públicos na América Latina pouco ou nada fazem para adotar uma nova imagem do transporte feito pelo ônibus. É possível mudar essa posição governamental?

Zanetto – Não gosto muito do entrar no terreno político, mas os temas de corrupção estão na ordem do dia. No desenvolvimento de um projeto de metrô ou um monotrilho há muito dinheiro em jogo e muito para repartir em custos, tempo de implantação, desenvolvimento do projeto, etc., em relação ao uso de faixas segregadas para ônibus.

Gostaria de citar dois exemplos. No Paraguai, o transporte público é feito pelo ônibus e reconhecidamente muito ruim. Lá, os veículos são velhos, atrasados em tecnologia, há uma forte carência de planejamento dos horários, com muitas sobreposições de linhas, etc. Não é possível investir em um projeto ou ideia urbana de um monotrilho, se ainda não há uma solução completa no sistema de ônibus, com uma administração moderna, no uso de bilhete eletrônico, da renovação da frota com ar-condicionado, de capacitação do profissional, etc. A Solução, a médio prazo, será a implantação de corredores rápidos, tipo BRT, reestruturando todo o sistema.

No Panamá, investiu-se muito na construção de linhas de metrô, porém o sistema local de transporte público ainda continua a ser ruim e obsoleto. Um bom BRT é uma solução rápida e mais econômica. Menos tempo de traslado, menos energia gasta e redução das emissões poluentes.

Mas, isso depende de uma definição e decisão governamental, de uma política e uma ferrenha implantação de soluções, sem influências políticas ou econômicas que alterem as soluções visando somente atender interesses de determinados segmentos.

AutoBus – Hoje, a busca por trações alternativas em ônibus urbanos é uma questão muito debatida e até utilizada por algumas cidades pelo mundo que querem promover um ambiente urbano mais saudável à seus habitantes. Mas, a tecnologia continua cara e não há suporte financeiro para o uso em maior escala, principalmente na América Latina, onde o ônibus é o principal agente do transporte de massa. O que é necessário para que isso mude e uma nova matriz energética passe a ser usada nos ônibus?

Zanetto – Uma determinação política dos governantes é uma decisão pública. Logicamente que há os investimentos e também os interesses das petroleiras que influenciam para que uma solução imediata não ocorra no transporte público. Hoje, há pesquisas e testes com ônibus elétricos, a gás e com o combustível do futuro, que é o hidrogênio, ou ainda os modelos elétricos que já foram apresentados nos salões de UITP com a tecnologia de carregamento por meio de wireless.

AutoBus – O transporte público e os serviços de ônibus são dependentes dos humores governamentais, sendo defendidos por alguns administradores públicos e repelidos pela maioria?

Zanetto – Mais que depender dos humores governamentais, depende das exigências e reações do público, manifestadas nos últimos anos pela insatisfação em cada aumento de tarifa. O transporte público é uma necessidade da sociedade em geral. Os governantes devem compreender que as carências sentidas pelas populações não são só em termos de saúde, segurança ou educação. Tem que entender que há a necessidade por orçamento próprio para atender e melhorar o transporte coletivo e a mobilidade, pois os trabalhadores passam em media 30 a 50% deu seu tempo tentando chegar a seu trabalho usando os meios de transporte. E eles são ruins, com maus serviços e de mal atendimento. É preciso resolver os problemas da poluição, da saúde pública, e da mobilidade urbana, com a valorização do transporte público. Infelizmente em nossa história, a parte da população mais carente é a que menos vale. E, quem tem pouco valor não é interessante para os negócios governamentais.

Não teremos nunca uma solução profunda se os problemas de transporte público não forem resolvidos com uma extensa política de estado.

Fonte: Revista AutoBus