Mobilidade pela Copa, e não só para a Copa!

Por Luciano Ramos [ Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Procurador do MPJTCE/RN ] - Tribuna do Norte

"São 7 horas da manhã/ Vejo o Cristo da janela. O sol já apagou a luz/ E o povo lá embaixo espera/Nas filas dos pontos de ônibus, procurando aonde ir." (Um Trem para as estrelas - Cazuza).

A liberdade de locomoção, direito fundamental que é, deveria ser protegida em um Estado Democrático de Direito pelo seu valor intrínseco, atrelada que está a características imanentes ao homem. Além desta característica essencial, ainda temos seus impactos econômicos.

De fato, o direito de ir e vir não espraia seus efeitos somente sobre o indivíduo, mas o faz igualmente sobre a sociedade. À evidência, para que haja produção de riquezas, é preciso que pessoas e bens circulem com a maior liberdade possível, de maneira a movimentar a economia.

Centrando os olhos sobre a mobilidade urbana em um grande centro, observamos o quanto a economia da cidade perde em virtude dos inúmeros entraves à circulação de pessoas. Paradas no trânsito ou aguardando nos pontos de ônibus, as pessoas muito pouco produzem, no máximo uma tweetada ou outra quando o sinal está fechado, para os mais aficcionados por tecnologia.

Cidades que há muito enfrentam este problema geraram alternativas criativas para ocupar este tempo ocioso, como é o caso de São Paulo que, com uma pitada de jeitinho brasileiro, oferece até serviços de aulas de inglês dentro do carro, com a duração equivalente ao trajeto entre a casa do aluno e o trabalho. Mas este é um exemplo de saída criada pela sociedade civil, a qual muito pouco pode fazer quanto a soluções coletivas, a não ser cobrar que o Poder Público o faça.

Inúmeros são os incentivos para a aquisição de mais e mais carros e motos, redução de IPI, financiamentos a perder de vista etc., o que faz com que a paisagem urbana seja tomada por intermináveis filas de impacientes e momentaneamente improdutivos motoristas. E a perspectiva é que estas só aumentem e nosso tempo economicamente útil seja cada vez mais reduzido.

Ao lado disso, cada dia mais pessoas precisam ser transportadas, com o crescente aumento da população economicamente ativa e que mora mais e mais distante do seu local de trabalho.

Sem dúvida, é preciso que novas vias sejam abertas para circulação de veículos e pessoas. No entanto, não podemos centrar nossos esforços exclusivamente nos automóveis. Primeiramente porque os espaços físicos são finitos e a abertura de ruas e avenidas não tem como acompanhar o ritmo de crescimento da frota. Ademais, as cidades têm que ser centradas nas pessoas - que são o verdadeiro fim em si mesmo -, em sua qualidade de vida, e não nos carros, que são mero meio de locomoção. Sem esquecer que a maioria da população permanece na qualidade de pedestre ou de usuário do transporte coletivo.

À abertura de vias, hão de ser acrescidos intensos investimentos em transporte de massa, com implantação de corredores de ônibus, estações de transbordo ágeis, integração com trens urbanos, entre outras medidas; muitas delas bem mais simples e baratas, como suprir um serviço coletivo de bicicletas, realidade tão distante de nós como o oceano que separa Natal de Paris.

Todavia, este planejamento tem que ser para a existência da cidade e não apenas para um evento como a Copa do Mundo, por mais grandioso que ele seja. Depois que "a banda passar cantando coisas de amor", a vida voltará ao normal e conviveremos com os efeitos das escolhas que fizemos para este breve momento de êxtase coletiva.

Não se nega que estas realizações internacionais podem traduzir-se em grandes oportunidades, sobretudo de visibilidade e captação de recursos. Porém, até o presente momento, 2014 só tem significado geração de dívidas, ainda não explicadas devidamente como e em quanto tempo serão pagas. Permanecemos sem qualquer perspectiva concreta de qual será o seu legado além de um estádio biliionário, que ainda temos que torcer que seja acabado a tempo.

O problema da mobilidade urbana cresce diuturnamente em nossa cidade, entravando consideravelmente nossa economia. Basta ver o horário de fechamento de bares e restaurantes, os quais têm que se preocupar como os trabalhadores retornarão de madrugada para suas residências. Não será no breve mês da Copa do Mundo que estas dificuldades ocorrerão, elas já se apresentam hoje, o que cobra soluções tempestivas.

Infelizmente, nem um evento como a Copa tem sido capaz de acelerar a solução para estes problemas, sendo mesmo incerto o que restará para nossa cidade da infraestutura que será montada exclusivamente para atender o futebol internacional.

Para os indivíduos e as sociedades, a vida sempre traz janelas de oportunidades, muitas vezes únicas, mas requerem que eles estejam preparados para aproveitá-las. Estas são breves e normalmente de efeitos duradouros, proveitosos ou deletérios, como demonstram os anos de pujança da economia de Barcelona/Espanha e as mais de duas décadas de dívidas da cidade de Montreal/Canadá.

Mobilidade urbana é uma política pública de médio e longo prazo, a qual poderá incluir o atendimento a eventos excepcionais, mas não pode tê-los como centro de suas atenções. As pessoas e suas necessidades diárias são muito maiores do que isto!

Fonte: Tribuna do Norte