Vales vendidos no mercado paralelo

 Leia agora, uma grande e bela reportagem especial da Tribuna do Norte que publicou em seu site hoje, uma matéria que retrata a vendas de vales no sistema de transporte coltivo de nossa cidade. Leia atentamente a essa máteria importante e que gera polêmica e opiniões entre os passageiros.

Margareth Grilo
repórter especial da tribuna do norte


O cartão eletrônico do vale-transporte, implantado em 2008 no sistema de transporte coletivo de Natal, virou fonte de renda nas principais paradas de ônibus. Os trabalhadores que tem direito ao benefício repassam o cartão e vendem o crédito disponível com um bom desconto, de R$ 0,80, por passe. Um cartão com crédito de 30 passagens é vendido pelo trabalhador por R$ 42,00. O esquema não se limita ao repasse do cartão a um conhecido ou familiar, mas a revendedores de passes de ônibus.

Foto de: Alex Régis


Eles adquirem os cartões e revendem os passes a terceiros por R$ 1,75 - 0,45 centavos a menos do que o preço oficial da tarifa de ônibus, que é R$ 2,20. Num cartão eletrônico, com crédito de 30 passes, o lucro do revendedor é de R$ 10,50. As transações desse mercado paralelo são feitas em praticamente todas as paradas de grande fluxo, da zona Sul à zona Norte da cidade, à vista de todos e sem nenhuma fiscalização.

Atualmente, 190 mil cartões de vale-transporte estão em circulação em Natal, segundo informações da empresa NatalCard, responsável pelo gerenciamento do sistema de bilhetagem eletrônica. Por dia, cerca de 175 mil usuários utilizam o cartão eletrônio do vale. O sistema de transporte coletivo de Natal transporta, todos os dias, 500 mil passageiros.

Na manhã de ontem, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE flagrou dois homens no centro da cidade, em paradas diferentes (Avenida Rio Branco e rua Ulisses Caldas) e outros quatro no bairro do Alecrim, na parada central próximo ao camelódromo. Anderson Rocha da Silva, 30 anos, está nesse mercado paralelo desde a época quando o vale-transporte era em papel.

Segundo ele, nessa parada de ônibus do Alecrim, pelo menos, dez pessoas revendem vales-transportes. "Não tenho medo, porque não estou fazendo nada ilegal. Ninguém aqui está roubando, a gente está trabalhando e ganhando nosso sustento", afirmou. Ele estava com dez cartões de pessoas diferentes e oferecia passes a R$ 1,75.

Esse preço, segundo ele, é uniformizado em todos os pontos da cidade. Anderson contou que, com sorte, eles conseguem faturar até R$ 1,00 por passe. Isso quando dá pra passar o passe-livre (integração). "Mas não é toda hora que se consegue. Nem sempre o passageiro que vai pegar o ônibus de trás quer ficar esperando o cartão que está sendo usado em outra linha ser liberado", disse Anderson.

Ele afirmou que compra cartões de vale de "trabalhadores de firmas". "Acontece de ele receber e não usar. Como ele não pode reverter o crédito em dinheiro, então vende", contou um outro revendedor de passe, no centro da cidade. Esse, com receio de ser punido, preferiu não se identificar. Ele tinha em mãos um grande número de cartões [em nome de pessoas diferentes], mas não quis dizer exatamente quantos.

"Tenho uns oito", declarou. Nas mãos dava para perceber, pelo menos, o dobro disso. Ele contou que as transações - não só de venda dos passes - mas de compra dos cartões também acontecem nas paradas. "Quem tem cartão e não está usando porque tem carro, passa aqui e oferece", relatou "Se esse ganha-pão acaba, a situação fica ruim". Ele disse que, pela escassez de trabalho, não tem outra fonte de renda.

Seturn reconhece que não tem como coibir mercado paralelo

Em janeiro de 2008, a previsão do Sindicato das Empresas de Transporte Urbanos de Passageiros de Natal (Seturn) com a implantação da bilhetagem eletrônica era de reduzir a venda de passes no mercado paralelo, evitar fraudes com o vale-transporte e tornar o controle mais eficiente. Hoje, o Seturn reconhece que não tem como coibir esse mercado.

"Infelizmente, os empregados de muitas empresas não estão usando o vale-transporte como deveria, como estabelece a lei. Estão repassando a terceiros e os empregadores não estão acompanhando, vigiando esse uso indevido", afirmou o diretor de Comunicação do Seturn, Augusto Maranhão. "As empresas têm alto custo com o vale e esse dinheiro está indo para o ralo".

Pela Lei 7.418, de 19 de dezembro de 1985, o vale é um benefício obrigatório que o empregador deve oferecer ao trabalhador. Em seu salário, a empresa desconta um percentual de 6%. A diferença (94%) é paga pelo empregador ao solicitar o crédito do vale nos cartões. O benefício é creditado todo mês pelo empregador.

De acordo com Augusto Maranhão, nem o Seturn, nem o NatalCard fazem fiscalização para observar o uso do cartão de vale e identificar irregularidades, como, por exemplo, o uso por terceiros. "Podemos até fazer um rastreamento desses cartões que estão sendo usados por terceiros, para identificar as empresas de origem, mas isso não pode ser feito aleatoriamente. Precisa ser solicitado ao Seturn por uma das empresas que está sendo fraudada", explicou.

Augusto Maranhão reconhece que o mercado paralelo atrapalha o setor. "Primeiro, é uma fraude. Algo ilegal. Depois, nessa revenda de passes, essas pessoas tumultuam as paradas e o embarque e desembarque de passageiros", disse. Ele confirmou que os revendedores consultam o saldo dos cartões nos pontos de venda do NatalCard.

De acordo com o Decreto 95. 247/1987, que regulamenta a lei do vale-transporte, o uso indevido do benefício constitui falta grave (artigo 7º). E toda falta grave, de acordo com o artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é passível de demissão por justa causa.

De acordo com o artigo 13 da lei 7.418, cabe ao órgão de gerência com jurisdição sobre os serviços de transporte coletivo urbano, respeitada a lei federal, além de expedir normas complementares para operacionalização do sistema do Vale-Transporte, acompanhar seu funcionamento e efetuar o controle do sistema. No caso de Natal, esse órgão é a Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob).

A reportagem da TRIBUNA DO NORTE tentou contato com o secretário adjunto da Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob), Jefferson Pedrosa, e com o chefe do Departamento de operações e permissões, Márcio Atalida, mas nenhum deles atendeu às ligações.

Esquema com ponto fixo em todas as regiões da cidade

O esquema é bem organizado. Cada revendedor tem seu ponto certo. Nenhum deles invade o espaço do outro, segundo um dos revendedores da parada de ônibus, próxima a rua João Pessoa. "Dá pra faturar bem se a gente consegue passar a integração", afirmou um outro revendedor. A maioria prefere não se identificar temendo punição.

Os revendedores afirmam que chegam a vender de 30 a 35 passagens por dia. Isso dá uma renda entre R$ 52,00 e R$ 61,00. Faturam livre em média, R$ 10,00 a 19,00, no mínimo. "Se a gente conseguir passar 15 integração durante o dia, fatura bem, porque o lucro é de R$ 1,00 por passe", disse Anderson Rocha.

Para checar, de tempo em tempo o saldo, desses cartões de vale-transporte, os revendedores, segundo Anderson Rocha, fazem a consulta nos terminais de venda do NatalCard, inclusive na sede central, na Ribeira. Ele disse que verifica o saldo de todos os cartões em seu poder, sem problemas. Nunca foi barrado ou questionado porque tem mais de dez cartões.

As situações tensas acontecem nas ruas. "Na maioria das vezes, os motoristas e cobradores não colaboraram. Teve motorista que já desceu pra brigar e tomar satisfação. Os revendedores de passes afirmam que procuram não tumultuar o ponto de ônibus e respeitar os horários das linhas. Nem sempre é possível. Em horários de pico a correria é grande. No parada do Midway Mall, a disputa na venda de passes é acirrada. O mesmo cartão é vendido a três, quatro passageiros. O último fica encarregado de entregar o cartão ao revendedor. Essa entrega é feita pela janela do ônibus. Nesse ponto, acontece situações de o ônibus arrancar e o passageiro ter que jogar o cartão pela janela. O jeito é o revendedor correr para recuperá-lo.

Os passageiros são unânimes em dizer que compram o crédito pela economia. "Sempre compro", afirmou a autônoma Sílvia Rodrigues, 33 anos.

Fonte: Tribuna do Norte