O menino Guanabara

Por: Vinícius Vieira - Repórter - Agência FOTEC

Conheça um pouco sobre a curiosa ciência da busologia através do sonho de Josenilson Rodrigues de se tornar motorista de ônibus

“Quando eu crescer, vou ser motorista da sua empresa”, diz um trecho da carta enviada pelo Menino Guanabara ao dono da maior empresa de transporte coletivo da região metropolitana de Natal. A carta foi enviada ao proprietário quando o menino ainda cursava a quinta série do ensino fundamental. Hoje, emoldurada, está em cima da cama do quarto simples e aconchegante de Josenilson Rodrigues, 18, um aluno do pré-vestibular. A vontade de ser motorista de ônibus despertou em Josenilson uma paixão que pode parecer estranha aos ouvidos de muita gente: Josenilson é fã da empresa Transportes Guanabara.



Aliás, não chamá-lo de “fã” é o primeiro pedido que o estudante de escola pública me fez assim que cheguei à sua casa, no Conjunto Aliança (Zona Norte), para entrevistá-lo. Pediu para usar o termo “busólogo”.
- Qual a diferença entre as duas categorias?
- O fã admira os ônibus por algum motivo. O busólogo, além de admirar, estuda o ônibus; é um cientista. Nós, busólogos, temos a pretensão de levar a busologia até a faculdade, pois já estudamos os ônibus em aspectos muito bem detalhados e também criamos nossos próprios modelos, misturando variados tipos de chassi, carroceria, bancada, dentre outros.

Desde criança, Josenilson sentia algo de diferente quando via um coletivo. Analisava-os tão intensamente que ele podia prever o futuro dos veículos aos motoristas. “Olha, o veículo tá fumaçando demais. Daqui a alguns dias vai quebrar”. Foi também por essa disposição, na infância, de conversar e escutar as conversas entre motoristas e cobradores, que ele sabia quando a frota seria renovada ou quando a categoria dos rodoviários iria entrar em greve.

Um dia, aos 12 anos, estava num parque com seus pais e um veículo que estava na linha do Circular da UFRN não seguiu o itinerário normal. O ônibus desviou justamente pelo local onde o menino estava e, quando o veículo parou próximo para fazer o desembarque de passageiros, Josenilson foi tomado por uma mistura de sentimentos: “Gelei e simultaneamente suei muito naquele dia. Senti muito mais que um calafrio, alegria ou satisfação. Foi um sentimento indescritível”, recorda.

É da psicóloga que Josenilson se lembra com maior entusiasmo. Quando enviou a carta para a Guanabara, em 2005, algumas semanas depois o menino recebeu a visita dela. Tudo não passava de um plano arquitetado pela professora de geografia que o ajudou a escrever a carta e também pela permissionária, a fim de levantar informações para uma homenagem: Josenilson receberia uma placa assinada pelo dono da Guanabara; além disso, alguns veículos iriam circular com uma propaganda traseira que contaria a história de amor do menino com a empresa. (In)felizmente, o menino percebeu logo as intenções da empresa:

- Josenilson, você sabe por que estou aqui?, diz a psicóloga
- Saber, não sei, não. Mas com certeza a senhora é alguém da Guanabara.
- Como você sabe que sou da Guanabara?
- Porque a senhora está fardada.

Em 2007, Josenilson criou o seu primeiro blog, onde postava fotos de ônibus feitas por celular. Para poder atualizar sua página na internet, ainda em funcionamento, ele vai de norte a sul de Natal: seus lugares preferidos para clicar os veículos são a BR-101 Sul, em Mirassol, a BR-101 Norte, em Igapó, a Ribeira e as Rocas. Desses lugares é que partem muitas linhas para outros bairros da cidade e, daí, o gosto por eles. Mas um ponto memorável é o terminal do Conjunto Parque dos Coqueiros, onde, após as aulas, ia tirar as fotos do seu carro favorito – um Caio Alpha de ordem 1177. Foi lá que, devido à paixão mais do que explícita por esta empresa de ônibus, Josenilson ganhou o apelido de Menino Guanabara.

Hoje, com uma câmera fotográfica e alguns anos de experiência, o Menino Guanabara diz que os busólogos sofrem muito preconceito. Em primeiro lugar, por parte dos motoristas, para quem as fotos servirão apenas para provar alguma irregularidade. Em segundo lugar, dos usuários, que reagem com risadas ou rotulando-os como “um bando de desocupados”. E em terceiro, por parte de algumas empresas de ônibus cuja opinião é a de que as fotos são parte de um esquema de criminoso. Ainda sobre o relacionamento com as permissionárias do transporte público, Josenilson é incisivo: sempre pede permissão para fazer e publicar as fotos. “A maior parte das empresas entende que nosso trabalho pode ser convertido em boa propaganda da empresa para a sociedade e os usuários”.

Conforme Josenilson, a busologia não deve ser encarada exclusivamente como um hobby, mas como prestação de um serviço. Em se tratando de prestação de serviço, pergunto como um especialista vê o transporte público de Natal. Segundo ele, algumas empresas não estão renovando a frota constantemente por defasagem na tarifa; os governos municipal e estadual também não ajudam quando abusam dos impostos e também quando não consertam os buracos, e alguns poucos passageiros picham e destroem os veículos, prejudicando a conservação.

Dessa maneira, Josenilson, sem pestanejar, compara-se a um sentinela: “O busólogo é o protetor do transporte público. É amigo de todos, desde o motorista até o empresário, passando pelo usuário”. Sua função de protetor do transporte público.

Mesmo com a rotina de pré-vestibulando que quer cursar jornalismo, o sonho de se tornar motorista de ônibus jamais foi abandonado. E Josenilson espera que ele chegue, pra variar, de Guanabara.